5 de janeiro de 2006

O encontro no espelho



Eu bem que merecia um sono mais tranqüilo, uma noite mais em paz comigo mesma. Mas é que só agora me dei conta da ociosidade da vida, da ausência de um propósito maior para estar aqui, da falta de sentido mesmo em acordar e dormir, e acordar e dormir sempre tantas vezes. Hoje sonhei com o meu amor, que apenas me olhava à distância, cheio de culpa e receio de se aproximar. Logo eu - amante - remexida por dentro, sofrendo com a indiferênça e a vergonha que sempre carrego comigo, como se cometesse algum crime por amar demais. Eu - ser solitário - rica em meus silêncios, cheia de mistérios, que encanta ou deixa apavorado quem de mim se acerca. Eu - mãe - pra sempre acompanhada dos meus rebentos, os pedaços que me faltam desde que parí. Eu - mulher – igual a tantas outras, que sofre suas dores, chora de ri, e não conhece mais que a saudade dos seres que carrega dentro de si. Eu - guerreira - dormindo tarde, levantando cedo, que é pra não perder tempo na grande luta que diariamente travo para ser uma numa multidão. Eu - irmã – cuidando à distância dos meus iguais, tirando sempre por menos, cultivando neles o respeito aos ancestrais. Eu - gente – que brinca, que briga, e surta de vez em quando. Que pinta a cara quando é preciso e vai pra rua fazer protesto, parar o trânsito, gritar palavras de ordem. Eu - filha de Deus – que sou tudo e não sou nada. Que não sou referencial pra nada, que não sirvo de exemplo pra ninguém, mas que não durmo nem me levanto sem uma oração.

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