24 de fevereiro de 2009

Fragmentos

Olhei para o poeta aquela noite como quem se despede do medo: com alívio e assombro. Com ele, também me despedia da infância, principalmente do período em que corríamos juntos pelo Vale dos Eucaliptos, de mãos dadas e sem roupa no corpo. Naquela noite, perdemos a inocência...


Não sei se era saudade o que me rasgava por dentro; uma saudade antecipada, talvez, doendo lá no fundo e escorrendo pelo canto dos meus olhos com gosto de sal. Sei apenas que o seu sorriso me voltava constantemente à lembrança, como um velho fantasma. Com ele, eu também perdi o medo de apagar da memória muitas outras passagens remotas. Guardei apenas aquela imagem sua – que é minha agora! –, caminhando na rua em que moro, no início de uma noite de verão. Vinha todo vestido de branco e trazia um sorriso no centro da face, além do brilho nos olhos e pétalas de rosa na mão direita, quando eu o fotografei... O poeta vinha sereno e firme; e ele vinha em minha direção.


Deixá-lo partir sozinho naquela manhã chuvosa foi como me despedir para sempre de uma parte muito importante de mim mesma, que, mesmo sufocada, sobreviveu à infância. Lembro-me de ter chorado durante horas, sentada na poltrona da sala, abraçando o meu corpo e balançando-o para frente e para trás, como se me consolasse.


Durante semanas, fiquei remoendo aquela cena, repassando-a na mente nos mínimos detalhes. Porque, mesmo que as lágrimas estancassem – como, de fato, aconteceu –, no fundo eu sabia que havia ficado órfã. E não havia remédio para uma dor como essa. Como um suicídio, simplesmente não havia remédio.

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