1 de outubro de 2005

Última estação


agora não! não quero que me vejas assim. são grandes demais e escuras as sombras que trago rodeando meus olhos desde aquela noite que não dormi. desde quando te ouvi cantar a canção da morte. a impossibilidade de viver. sabe, desde aquela canção a vida passou a ser uma noite sem fim... não quero que me olhes nos olhos com aquele jeito triste mais uma vez. com o enfado de quem carrega nos ombros o mundo. como se não bastasse o mundo de coisas e gentes que se acumulam em ti... não quero, já disse! nem mesmo permito que me vejas perambulando pela cidade em pleno abandono noturno - o pulso a bater preguiçoso como quem também já cansou de tudo. e olha que o tudo a que me refiro é apenas aquele teu canto triste, falando da morte que virá em seguida sem nos dar ao menos um tempo para as despedidas. prefiro perder-te já, então, a te arquivar na bruma desse cérebro obsoleto, que aos poucos, e em pouco, se apaga. portanto suplico que também faças o mesmo com o meu sorriso, que hoje corrói mais que protege da dor e do mundo. definitivamente, não! nem mesmo esse dia que se aproxima rasgando o negro véu da noite me fará dormir. nem mesmo os teus apelos telefônicos. ou telepáticos. ou virtuais. não! nem se me guardasse num quarto escuro ou fechasse bem fechado os olhos para ninguém me achar. nem assim eu permitiria que me encontrasses ainda uma vez mais. ou me tocasses. ou me dirigisses a palavra um minuto que fosse antes de se cumprir o que diz aquela canção maldita. maldita canção inconseqüente! maldita apologia à morte. declaração de amor a um soro positivo em estágio terminal... a minha resposta é: não! mesmo sabendo que era apenas um poema para alguém a quem tu amas demasiadamente. nem mesmo assim.

Um comentário:

Anônimo disse...

adorei. ótimo.

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beijo,
edu